D. PEREYRA
Se muitos são-paulinos adotam o Uruguai como segunda pátria, é pela identificação com os diversos ídolos charruas que passaram pelo Morumbi. Pedro Rocha e Pablo Forlán marcaram época na década de 1970. Diego Lugano simbolizou a raça nos anos 2000. Nenhum deles, entretanto, vestiu mais vezes a camisa tricolor do que Darío Pereyra. O zagueiro firme e de grande qualidade técnica defendeu o São Paulo por mais de uma década, superando os 450 jogos pelo clube. Foi o elo entre os dois primeiros títulos nacionais do Tricolor, em 1977 e 1986. Além disso, também honrou a celeste do Uruguai. Um dos melhores defensores do futebol sul-americano nos anos 1980.
Darío Pereyra despontou no Nacional. E em uma função bem diferente daquela que o consagraria. O jovem promissor já aliava as suas principais características, mas costumava atuar mesmo na meia esquerda. Além disso, independente da posição, tinha a fama de ‘caudilho’ pela personalidade aguerrida. O talento era tamanho que aos 18 anos estreava na seleção uruguaia e aos 19 já vestia a braçadeira de capitão. Acabou atraindo o interesse do São Paulo, que o via como o substituto de Pedro Rocha, de saída do Morumbi. Pois os dirigentes tricolores não economizaram para buscar o prodígio, naquela que foi, na época, a segunda maior contratação do futebol brasileiro. O negócio foi fechado justamente em 21 de outubro de 1977, aniversário do jogador, por conta da regra que impedia os jogadores uruguaios de se transferirem ao exterior antes dos 21 anos. Em sua chegada ao país, uma multidão de torcedores foi recepcioná-lo no aeroporto de Congonhas.
“Nunca pensei em jogar futebol por dinheiro. Comecei e continuei apenas porque gostava. Se gostasse mais de estudar, teria largado a bola e me agarrado nos livros. Sou profissional, mas continuo achando que primeiro o jogador tem que pensar em jogar, só depois deve pensar no dinheiro. Mais dinheiro, melhores salários, tudo isso é simples consequência”, declarou, em entrevista à Placar, em 1977. No Uruguai, Darío iniciou a faculdade de economia e sempre teve fama de leitor voraz. “Não estou deixando minha terra por causa do dinheiro e acho até que poderia ganhar mais em outros países. Vim para me superar, para continuar jogando bem e para aprender cada vez mais – e isso só é possível em poucos países como é aqui no Brasil”.
Após estrear em dezembro, Darío Pereyra se tornou titular justamente na reta final do Brasileirão de 1977, disputado no início do ano seguinte. E foi fundamental para a conquista do São Paulo. Na decisão, teve missão duríssima de cuidar de Toninho Cerezo, um dos craques do timaço do Atlético Mineiro. Venceu a batalha pessoal contra o alvinegro e terminou com a taça, graças ao triunfo tricolor nos pênaltis. A sequência, porém, não seria tão fácil assim ao uruguaio. Sofrendo com lesões, ele demorou a se firmar no 11 inicial. Alternava entre a meia esquerda e a cabeça de área, sem emendar grandes sequências de jogos.
Sua sorte mudou em 1980, sob as ordens de Carlos Alberto Silva. O técnico resolveu improvisar Darío Pereyra na zaga. Improviso que tornou-se a certeza de que o uruguaio havia nascido para aquele ofício, especialmente diante da conquista do Campeonato Paulista de 1980. Veio o bicampeonato estadual, em 1981, e no mesmo ano o reconhecimento como um dos melhores zagueiros em atividade no país, recebendo a Bola de Prata da Revista Placar. O uruguaio levaria o troféu outras duas vezes para casa.
Difícil encontrar um jogador em sua posição que aliasse tão bem a capacidade física com o refinamento técnico – seja ele para roubar a bola de maneira limpa ou iniciar a saída de bola. Também era exímio pelo alto. Mais do que isso, um líder nato e símbolo da garra, formando uma muralha ao lado de Oscar. Em 1982, chegaram mesmo a cogitar a naturalização de Darío Pereyra para a seleção brasileira, o que esbarrava no fato de já ter disputado partidas oficiais pelo Uruguai. Prova maior da admiração que existia no país pelo beque.
Em sua sequência no clube, Darío Pereyra ainda conquistaria outras duas edições do Paulistão, em 1985 e 1987. Entretanto, o grande feito veio mesmo em 1986, com o segundo título brasileiro do clube. O uruguaio era o ponto de equilíbrio do esquadrão, que também contava com Careca, em fase inspiradíssima no ataque. Uma conquista inapelável. Aos 30 anos de idade, já não havia como negar a importância histórica que o defensor havia construído no Morumbi. Meses antes, aliás, cumpriu um sonho ao disputar a Copa do Mundo de 1986. Reserva nos dois primeiros jogos, só se tornou titular após a goleada da Dinamarca por 6 a 1. Depois disso, o bom time Celeste só tomou mais um gol, que culminou na eliminação nas oitavas, diante da rival Argentina.
A trajetória de Darío Pereyra no São Paulo se encerrou em 1988. Transferiu-se ao Flamengo, mas jogou pouco. Defenderia ainda o Palmeiras e o Matsushita Electronic, encerrando a carreira no Japão às vésperas da eclosão da J-League. Aposentado, o uruguaio voltaria ao Morumbi para iniciar sua carreira de técnico, durante a qual sua maior conquista foi o Campeonato Mineiro de 1999 com o Atlético – além de ter sido o comandante do Paysandu na histórica vitória sobre o Boca Juniors em 2003. O legado, de qualquer forma, já estava no passado. O meia que se consagrou como um dos melhores zagueiros de sua época.
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