LUÍS SUÁREZ EM PORTO ALEGRE, BRASIL - CAPÍTULO IV
Passeios, tardes no Cristal e refúgio em condomínio de Eldorado: como era a rotina de Luis Suárez no RS
— Prometo compromisso, companheirismo, atitude, gana e gols. E tentar títulos.
Assim
como é com a bola nos pés diante dos goleiros, Luis Suárez foi certeiro em suas
primeiras palavras ao vestir a camisa do Grêmio, em 4 de janeiro. Passado
quase um ano, já vieram 26 gols, 50 jogos e o protagonismo nas duas taças
conquistadas — Gauchão e Recopa Gaúcha. Restando quatro jogos no Brasileirão, o
Grêmio seguia com chances de ser campeão graças ao uruguaio de 36 anos. Uma
vitória neste domingo (26/11/23), contra o Atlético-MG, manteria o sonho do tri, único
fato que poderá mover Luisito da ideia de rumar para o Inter Miami dentro de
três semanas.
Fato
é que o Pistolero já cravou seu nome na história tricolor. E não só por ter
feito gols e dado assistências. Nas últimas semanas, transitamos por
diversos lugares nos quais Suárez circulou em 2023, ouviu dezenas de pessoas
que convivem com o artilheiro diariamente no clube e conta como tem sido a
rotina do craque uruguaio. E comprovou que seu compromisso, companheirismo,
atitude e gana vão além do campo de jogo.
Ter
a possibilidade da convivência familiar em uma cidade próxima e parecida com Montevidéu
foi importante para eles escolherem Porto Alegre. O acordo para aceitar o
convite tricolor passou muito pelo projeto audacioso de ter o uruguaio como
pilar para um clube em reconstrução. O desafio mexeu com os brios do artilheiro
e mobilizou o quinteto Suárez.
Embora
as aparições em locais públicos tenham sido badaladas nas redes sociais por
quem os encontrou, Suárez prefere a discrição. Aconselhado por Lucas
Leiva, seu velho amigo dos tempos de Liverpool e que seria seu
colega de time neste ano não fosse a aposentadoria precoce, decidiu morar em um
condomínio de casas de alto padrão em Eldorado Sul.
Lucas Leiva e Luís Suárez no Liverpool |
Preferencialmente,
os programas de lazer de Suárez e sua família ocorrem no condomínio. São
frequentes churrascos e jantares entre o grupo formado por ele, a família de
Lucas Leiva, Carballo (e a namorada) e familiares do lateral Fabio. A casa do
ex-volante gremista também virou refúgio para eles passarem momentos de folga
juntos.
Uma
exceção ocorreu na semanas atrás. Na véspera da viagem ao Rio de Janeiro para a
partida contra o Botafogo, Suárez e Sofi jantaram em um restaurante no Shopping
Iguatemi. No 20barra9, o centroavante comemorou antecipadamente o
aniversário de 34 anos da esposa. Comeram salmão a la plancha e entranha, um
corte de carne tradicional na Argentina.
O
condomínio onde moram os Suárez fica próximo ao Guaíba. Curiosamente, na margem
oposta do lago, encontra-se outro ponto central da história da passagem do
centrtoavante pelo Rio Grande do Sul: a Escolinha do Grêmio. Em um espaço
privado, entre os campos onde os meninos treinam no CT do Cristal, Suárez
costuma passar as tardes de folga. Lauti ainda está em uma turma com foco na
parte lúdica. Benja, no sub-11, é centroavante como o pai e tem o faro de gol
elogiado pelos coleguinhas.
Foi
assim na última quinta-feira (23/01/23). De camisa cinza, bermuda branca e tênis
preto, Suárez oscilou entre a agitação e a calma. Ao lado de Sofi, ele
acompanhou Benja, camisa 9, no jogo contra o Bom Princípio, pela semifinal da
Liga Encosta da Serra. Sentado em uma mureta, seu corpo reagia a cada lance do
filho. A perna direita mexia involuntariamente, como se fosse ele quem
estivesse em campo.
Restou
a missão de passar orientações. Fazia o sinal de onde se posicionar, qual espaço
o menino deveria procurar. E também teve comemoração. Benja marcou o primeiro
gol da goleada por 6 a 0, que leva o Grêmio à decisão contra o São José. Quem
viu o filho em campo, enxergou também o pai. Os mesmos trejeitos, a mesma
postura e a busca pelo gol. As diferenças: o Suárez mais novo é canhoto e fala
português quase sem sotaque. Além do gol, também deu uma assistência. Depois de
uma hora de anonimato, uma criança gritou:
—
O Suárez tá ali!
A
correria de meninos e meninas em direção ao portão onde estava Suárez tirou a
atenção dos minutos finais da partida. Uma batalha de gritos tomou conta do
lugar. O que mais se ouviu foi:
—
Ficaaaaa, Suááááárez!
Outro
menino apelou para elogios:
—
Tu joga muito, Suárez! Fica!
Calmamente,
o uruguaio caminhou em direção ao grupo e posou para dezenas de fotos. Apertou
a mão de que estendeu e gerou memórias para os meninos e meninas que se
apertaram no gradil à espera do ídolo.
—
É uma experiência para a vida toda. Imagina o valor disso para essa gurizada no
futuro — comentou Jessica Carneiro, mãe de Arthur Soares, companheiro de Benja.
Terminado
o jogo, o camisa 9 do sub-11 saiu caminhando junto dos companheiros. Cantava as
músicas que os gremistas cantam na Arena para embalar os passos do pai, que foi
para o carro por outro caminho para esperar o restante da família.
Ida
ao supermercado virou notícia
Esse
frenesi é assim desde sua primeira aparição em um supermercado da rede Asun,
que virou manchete em sites, jornais, rádios e televisões do Brasil e até da
Europa. A camionete BMW marrom até passou despercebida no estacionamento. Benja
e Lauti brincavam como qualquer dupla de irmãos. Um botava um item no carrinho,
o outro tirava. E o pai atuava como juiz na disputa.
—
Lauti, Benja, tem que passar — disse ele, rindo.
As
compras aconteciam de forma tranquila até que um gremista o reconheceu. Tirou
uma foto e postou nas redes sociais. Minutos depois, dezenas de curiosos foram
ao local.
—
Foi uma confusão. Tinha gente correndo pra tentar ver eles. Mas o Suárez é um
querido. Cumprimentou a todos. Os filhos são muito educados também — contou uma
funcionária.
Sofia,
eventualmente, ainda vai à loja física. A rotina é a do uso do comércio
virtual. E ser Suárez tem benefícios, mesmo sem sair de casa. Aquela
unidade da rede de supermercados incluiu em seu catálogo produtos que o jogador
gosta: arroz para risoto produzido pela Rei Arthur, queijo gorgonzola da Vigor,
um prato pronto de bacalhau às natas e erva de chimarrão produzida em Venâncio
Aires (com chá na composição, especial para tererê) são alguns exemplos.
—
Compra como se fosse pra ti — pediu Sofia a uma das funcionárias do
supermercado, ao solicitar produtos locais para experimentar.
As
compras saem com um funcionário em um veículo direto para a porta da casa da
família, normalmente, a cada 10 dias.
Suárez
faz questão de levar os filhos ao colégio
O
jogador faz questão de levar os filhos ao colégio quando o horário dos treinos
permite. Saem os cinco no carro, sempre ouvindo uma rádio do grupo Disney
do Uruguai. Além de levar os três para a escola, que fica em Porto Alegre, o
jogador também gosta de os buscar.
Nesse
trajeto se criou um outro hábito, que aproxima a família da cultura e da
culinária uruguaia. Na restaurante Sabor de Luna, pedem medialunas e baguetes.
As carnes também fazem parte do cardápio.
—
Ele não se incomoda com o assédio. Mas aqui dentro da loja não permitimos que
fiquem pedindo foto ou autógrafo. É bastante comum que jogadores venham aqui —
explicou uma das funcionárias da casa.
O
assédio reflete a idolatria de um ícone do futebol no RS. Ele
atraiu mais de 60 mil sócios para o Grêmio, ajudando a injetar mais de R$ 10
milhões em receitas de marketing. Quarto maior artilheiro em atividade
no mundo (554 gols), fez três em sua estreia (4 a 1 no São Luiz, na conquista
da Recopa Gaúcha) e marcou o do título do Gauchão (1 a 0 sobre o Caxias, em
pênalti cavado por ele). Na campanha até a semifinal da Copa do Brasil, fez apenas
dois e foi discreto, especialmente nos jogos contra Bahia e Flamengo.
Tratamento
no joelho e interesse do Inter Miami
Foi
nesta época, em junho, que o relacionamento de Suárez com o clube e parte da
torcida passou por oscilação. Jornais revelaram bastidores de suas dores no joelho
direito e a cogitação de aposentadoria precoce.
Em
meio a isto, surgiu o "convite" do amigo Messi para Suárez jogar pelo
Inter Miami. A ideia de reeditar a dupla de sucesso no Barcelona estaria entre
os capítulos principais do que Renato Portaluppi chamou de "novela
mexicana". Ao
final de 40 dias, a permanência de Suárez no Tricolor foi anunciada, mas só até
dezembro deste ano, antecipando em um ano o final do vínculo.
—
No próximo ano não vou poder render ao Grêmio o que esperam de mim, pela carga
e intensidade que tem o futebol brasileiro. O clube entendeu e agradeço por
isso — disse o camisa 9 em 29 de julho.
Citado
como exemplo de profissionalismo, Suárez mantém até agora a mesma rotina. Ele é
um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair do CT para cumprir seu
próprio ciclo de atividades. Sua primeira parada é na fisioterapia, para uma
série de atividades de trabalhos preventivos e alongamentos.
O
camisa 9 não é adepto das massagens e equipamentos mais modernos. Dá
preferência ao trabalho manual de fisioterapeutas e massagistas. Além dessa
questão mais de precaução, e que tem em seus joelhos um dos focos, o uruguaio
também passa na sala de musculação antes de qualquer treino no campo. Ao fim do
dia, faz piscina de gelo.
—
É extremamente profissional, família, um cara humilde. Gosta de competir e se
entregar dentro de campo. Tem uma boa relação com todos. É impressionante a
ascendência rápida que teve sobre todos no vestiário — afirmou o presidente,
Alberto Guerra.
Quando
as dores no joelho incomodam mais, uma injeção é aplicada no jogador antes das
partidas. Um analgésico intramuscular, para que a ação seja mais rápida. Um
procedimento rápido, mas sem a privacidade por acontecer no ambiente do
vestiário. Uma agulhada na nádega e pronto. Maior ídolo do clube, Renato também
vê o centroavante como exemplo:
—
É um dos maiores profissionais que trabalhei, dentro e fora de campo. A
passagem dele pelo Grêmio é inesquecível.
Renato e Suárez |
Os
últimos três meses deram nova vida ao clube no Brasileirão. Uma arrancada que tem
participação decisiva do jogador. Nas 18 partidas desde a definição pela
permanência até dezembro, são 10 gols e sete assistências. Números que o
levaram de volta para a relação de convocados para a seleção uruguaia.
Com Bielsa e De Arrascaeta na Seleção Uruguaia - 2023 |
Se
o que foi combinado em julho não mudar, Pistolero jogará pela última vez na
Arena vestindo a camiseta gremista em duas semanas, contra o Vasco, pela 37ª
rodada do Brasileirão. Seja qual for o capítulo final da história de Suárez em
2023, é certo que ele cumpriu o que prometeu:
— Prometo compromisso (foi exemplo no vestiário), companheirismo (cativou colegas e torcedores), atitude, gana (jogou 50 partidas até agora) e gols (fez 26). E tentar títulos (ganhou dois e sonha com o terceiro).