HISTÓRIA DO FUTEBOL URUGUAIO


Os primórdios do futebol uruguaio: da English high school à celestial garra charrúa. 

INTRODUÇÃO: A sociedade uruguaia na segunda metade do século XIX sofria forte influência econômica inglesa, além de um intenso fluxo de imigrantes (italianos, espanhóis, ingleses, alemães) que vão se estabelecer principalmente na cidade portuária de Montevidéu, integrando-se assim em uma comunidade urbana em formação. Sobre a presença estrangeira neste período o historiador Juan Carlos Luzuriaga destaca:

Desde 1880 los inmigrantes se radicaron mayoritariamente en el medio urbano, sobre todo en la capitalA fines de esa década la población del Uruguay se estimaba en alrededor de 700.000 habitantes, de los cuales los extranjeros eran casi la mitad, con una proporción mayor en la población activa: de los alrededor de cien mil trabajadores censados en 1889, dos tercios habían nacido fuera del país. Los algo más de mil ingleses constituían cerca del uno por ciento de los pobladores de Montevideo (LUZURIAGA : 2009,37)


MONTEVIDEO - SÉCULO XIX

Os hábitos dos imigrantes, principalmente dos ingleses, que além de controlarem as principais atividades comerciais e bancárias estabeleciam um modelo de civilização influenciando diretamente a elite montevideana, são fundamentais para compreendermos o início da formação de uma sociedade urbana com aspirações modernas e a difusão de práticas esportivas .

Os primeiros esportes institucionalizados foram o críquet praticado desde o surgimento do Montevideo Criquet Club (MVCC) em 1861 e o remo com uma equipe de remadores fundada em 1874, o Monte Video Rowing Club. Porém é importante destacar que existem registros de atividades de futebol e rugby (1) dentro de clubes sociais e esportivos ingleses como o MVCC, além de diversas partidas entre as tripulações das embarcações inglesas que aportavam constantemente na capital uruguaia.

( 1 ) No Uruguai o rugby continua sendo um esporte bastante praticado principalmente entre membros da elite do país e nas escolas estrangeiras. A maior tragédia do esporte uruguaio aconteceu com a queda do avião da equipe do Old Christians Rugby Club na cordilheira dos Andes em 1972. Os 16 sobreviventes ficaram 72 dias isolados nas montanhas até serem resgatados. O relato do jornalista Nando Parrado, um dos sobreviventes e figura crucial pra o salvamento dos demais está no livro “Milagro en los Andes”).

A influência da colônia britânica no país era notória conforme assinala o citado historiador no trecho abaixo: 

Para 1875 la colectividad británica en el Uruguay contaba con su cementerio, su iglesia, su hospital, varias sociedades benéficas y diversos clubes – uno social, uno de críquet, y uno de remo- además de una pista de carreras. Existían otras instituciones como la logia masónica, Acacia Lodge, a la que pertenecía lo más selecto de la comunidad. Tenía sus medios de prensa, como el Montevideo Times y el Uruguay News… (LUZURIAGA: 2009, 48) 


ENGLAND MOTHERLAND OF FOOTBALL,
URUGUAY FATHERLAND
OF FOOTBALL
O jornalista Eduardo Gutierrez Cortinas destaca também que o Montevideo Cricket Club foi criado para a prática de esportes de origem britânica, e seguramente já organizava partidas de futebol desde 1889 (2) contra combinados argentinos. A) As origens do futebol uruguaio e sua institucionalização. O futebol uruguaio propaga-se no final do século XIX entre os descendentes ingleses de uma elite ligada à indústria e ao comércio, a jovens universitários que retornavam da Europa e àqueles estudantes da elite de Montevidéu que estudavam nas escolas de origem britânica, transformando-se rapidamente segundo Carril no esporte da “moda”:

A fines del siglo XIX (más precisamente a partir de la década del 80), y merced al extraordinario nivel alcanzado por el comercio y la industria ingleses en el Rio de la Plata- con la influencia social que implica - se incrementó notablemente la difusión del deporte de moda en la rubia Albion: “el juego de la pelota con el pie” En el Uruguay, esta difusión cubrió un doble aspecto. Mientras en los campos aledaños a la llamada “Punta de las Carretas” las tripulaciones de las naves inglesas surtas en el Puerto practicaban el nuevo deporte (seguramente con la euforia que caracterizaba el concepto de “Sportsman” vigente en el inglés de la época) y eran seguidos por la mirada – extrañada al principio – de la niñez y juventud de las clases populares, que poco a poco asimilaban las reglas y la forma del “footbal”; la elite de la sociedad montevideana recibía similar instrucción de los institutos de la enseñanza y/o profesores de cuño británico.” (CARRIL : 1990, 7)

Neste sentido, o futebol uruguaio surge a partir de uma forte influência inglesa na sociedade e a criação das primeiras equipes dedicadas ao esporte por descendentes britânicos foi oficialmente em 1891 através do Al Albion F.C e o C.U.R.C.C (Central Uruguay Railway Criquet Club), que apesar de originariamente ter o críquete como foco, propulsionou o intenso desenvolvimento da prática futebolística nos seus quadros.

The CURCC team of 1911, Primera División champion.
E. Pintos, L. Solans, J. Harley, C. Ronzoni, G. Manito, C. Camacho,
L. Quaglia, F. Canavessi, J. Piendibene, A. Betucci and A. Romano.

O C.U.R.C.C fundado por trabalhadores da Companhia inglesa Central Uruguay Railway, dentro da propriedade da empresa de 11 hectares localizada em um subúrbio - (continua)

( 2 ) Ver “El padre del siglo” de Eduardo Gutierrez Cortinas. Pg 13.

(continuação) - da cidade de Montevidéu, chamado de Peñarol, já na década posterior teria maioria “criolla” e, notadamente popular, transformando-se em 1913 no Club Atlético Peñarol, uma das equipes mais importantes do país até hoje.

Ao longo da mesma década outros clubes de origem inglesa como o Montevideo Cricket Club, Uruguay Cricket Club, e até mesmo alemã, Deutscher Fussball Club foram fundados ou passaram a ter equipes exclusivas de futebol. (3)

Na mesma década de 1890, segundo Carril, ocorre um processo de “acriollamento” com a organização de equipes como Montevideo, Defensa, Títan e Internacional, além do surgimento em 1899 do tradicional rival do Peñarol, o Club Nacional de Football que seria a primeira instituição exclusivamente “criolla”, surgida com a união de nativos do Montevideo e do Uruguay Atletic, porém o futebol uruguaio continuava sendo praticado majoritariamente pelos membros da elite imigrante.

No dia 30 de março de 1900 é fundada “The Uruguay Football Association League”, cinco anos mais tarde transformada na AUF, Associacion Uruguaia de Fútbol, que passa a organizar os primeiros campeonatos internos, além de participar também de uma competição organizada pela Associação argentina conhecida como “Copa Competencia”, disputada entre equipes do Rio da Prata.

O principal articulador da criação da entidade foi Enrique Lichtenberger, filho de pai brasileiro com mãe inglesa, fundador do Albion Football Club, ex-aluno da English High Scholl e discípulo de William Leslie Poole, figura mítica dos primórdios do futebol uruguaio, pois além de ser professor de inglês no referido instituto dava aulas de futebol para seus alunos e era um verdadeiro “sportsman” praticante de futebol, críquete e rugby. Poole tornou-se o segundo presidente da Federação uruguaia, e é uma referência fundamental para se entender o desenvolvimento do esporte na passagem do século XX conforme destaca Cortinas:

Los primeros partidos importantes, que comenzaran a llamarse clásicos fueron obviamente las tenidas de Peñarol con el Albion de Enrique Candido Lichtenberger, formación surgida como “Football Association” entre alumnos de la “English High School”, colegio británico pago, donde William Leslie Poole era profesor de inglés...y de fútbol”. (CORTINAS : 1999, 20)


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1891 - ALBION FOOTBALL CLUB

 (3) Informações obtidas no livro oficial da Associação Uruguai de Futebol: Nueve décadas de Gloria de Juan A. Capelán Carril e “El Football del Novecientos – Orígenes y desarollo del fútbol en el Uruguay” de Juan Carlos Luzuriaga. 

Ao compararmos com o futebol brasileiro, percebe-se que a organização do esporte até então bretão, encontrava-se muito mais adiantada em solo uruguaio. No Brasil a questão da institucionalização federativa nacional surgiu apenas 14 anos depois.

Obviamente temos que considerar as dimensões continentais no país e a eclosão na primeira década do século XX dos primeiros torneios das Ligas carioca e paulista. Todavia, a Federação Brasileira de Sports somente foi fundada em 8 de junho de 1914 no Rio de Janeiro, mas no dia 3 de março de 1915, a Liga Paulista de Futebol criou uma nova entidade, a Federação Brasileira de Futebol com os objetivos de combater a F.B.S. e tornar-se a entidade máxima no comando do futebol brasileiro. Nascia a rivalidade Rio/São Paulo no âmbito esportivo.

Por ocasião da realização do primeiro campeonato sul-americano de futebol na Argentina em 1916 surgiu um impasse, pois a Liga Paulista de Futebol estava registrada na Confederação sul-americana, porém os jogadores do Rio de Janeiro e metade dos paulistas estavam filiados a FBS.

O Ministro das Relações Exteriores na época, Lauro Muller decidiu intervir e foi proposta a criação da C.B.D. com as Federações filiadas diretamente à entidade, fato que se consumou no dia 21 de junho de 1916, quando foram extintas a FBS e a FBF. No mesmo ano, sob o comando de Arnaldo Guinle, a entidade conseguiu o registro provisório junto a FIFA.(4 )

Isto posto, nos primeiros anos do século XX o futebol uruguaio internacionalizava-se mais que o brasileiro devido às partidas contra equipes argentinas que já eram freqüentes, bem como as visitas de clubes ingleses, como o Southhampton em 1904, Nottingham Forest em 1905, Tottenham Hotspur e Everton em 1909, entre outros.

b) A consolidação do esporte no processo de modernização do país e a rivalidade Peñarol x Nacional.


PEÑAROL DO URUGUAI: TRICAMPEÃO DO MUNDO
NACIONAL DO URUGUAI: TRICAMPEÃO DO MUNDO

Internamente o país passava por intensas transformações. No início do século XX, o Uruguai tinha em torno de um milhão de habitantes, sendo 17% de estrangeiros. A cidade de Montevidéu tinha aproximadamente 300.000 pessoas e o seu novo porto foi inaugurado oficialmente em 1909. Expandiam-se as novas indústrias: frigoríficas, - (continua)

(4) Dados obtidos na obra “Seleção Brasileira – 90 anos” de Antônio Carlos Napoleão e Roberto Assaf.

(continuação) - têxteis, metalúrgicas, construção, etc, e a modernidade chegava ao país, representada simbolicamente pelos primeiros automóveis em 1904, a expansão das linhas férreas e telefônicas, além da importante Geração dos Novecentos no âmbito cultural. (5) 

Politicamente inicia-se em 1903 um período de reformas do Estado estabelecida pelo Partido Colorado, marcado sobretudo pela figura de José Batlle y Ordoñez que governou o país nos períodos (1903-1907 e 1911-1915). O “battlismo” teve como principais características, segundo o historiador e diplomata Juan José Arteaga, ser um movimento urbano, progressista com um impulso reformista liberal e da legislação social, associado a uma política de intervenção econômica que estimulava a estatização e a nacionalização.

La época contemporánea comenzó con el ascenso de José Battle y Ordoñez al gobierno de 1903 o cuando durante su mandato se produjo la última guerra civil en 1904 y se iniciaron las reformas sociales, económicas y políticas que cambiaron profundamente al país. En ese sentido el battlismo fue la culminación de la modernización … (ARTEAGA : 2008, 111) 

Neste contexto urbano e modernizador percebe-se uma tensão na formação do campo do esporte com a adesão maior ao futebol de setores menos elitistas tanto na participação nas equipes “criollas”, tendo o Club Nacional como símbolo, quanto na presença como espectadores das partidas, além de uma decadência das equipes de origem exclusiva inglesa e do próprio Albion, cujo apogeu termina, segundo Luzuriaga, em 1901. Expande-se o esporte no Uruguai, com a participação de camadas médias urbanas e a própria imprensa registra esta mudança.

Nuevas realidades se estaban presentando en él fútbol: la irrupción de los sectores criollos medios y, casi junto con ellos, lo que la prensa de la época denominaba el público grueso (LUZURIAGA : 2009, 86) 

O conceito de “campus” de Pierre Bourdieu pode nos auxiliar a entender o crescimento do futebol enquanto prática esportiva dentro da nação uruguaia na passagem do século XX e sua relação com o espaço social uruguaio em formação. Existia uma tensão dentro da própria elite entre imigrantes ricos e “criollos”, além da busca de inserção dos setores mais populares e dos imigrantes pobres e isso se reflete nas disputas de poder na embrionária sociedade urbana e na própria formação do campus esportivo deste país.

 (5) Dados extraídos do livro “Breve Historia Conteporánea del Uruguay” de Juan José Arteaga. Pg 115.

Bourdieu no seu clássico artigo “Programa para uma sociologia do esporte” aponta que não podemos analisar um esporte independentemente do “campus” esportivo em formação e da sua relação com o espaço social em que ele se desenvolve.

Para que uma sociologia do esporte possa se constituir, é preciso primeiro perceber que não se pode analisar um esporte particular independentemente do conjunto das práticas esportivas como um sistema no qual cada elemento percebe seu valor distintivo. Em outros termos, para compreender um esporte, qualquer que seja ele, é preciso reconhecer a posição que ele ocupa no espaço dos esportes...... Em seguida é preciso relacionar esse espaço de esportes com o espaço social que se manifeste nele. (BOURDIEU:1983, 208)

A rivalidade entre o Penarol e o Nacional surge neste contexto de formação do “campus esportivo”. No antigo C.U.R.C ,apesar de ter se originado como clube de críquete, rapidamente os trabalhadores decidiram praticar também o futebol e suas cores iniciais laranja e negro remetem as raízes ferroviárias como assinala Cortinas. Transformou-se em 1913 no Club Atlético Peñarol, uma das equipes mais importantes e populares do país até hoje.

O Club Nacional de Football que seria a primeira instituição exclusivamente “criolla”, adotou inclusive em seu uniforme as cores vermelha e azul em referência ao herói nacional, General Artigas, buscando uma identificação pátria, porém o futebol uruguaio continuava sendo praticado majoritariamente pelos membros da elite imigrante.

Em 1900, além da formação da liga foi realizado o primeiro campeonato oficial uruguaio, cujo campeão foi o C.U.R.C , porém o Nacional não pode participar, pois sua admissão não foi aceita pelos demais membros fundadores. Segundo o historiador Luzuriaga seria uma expressão do preconceito contra a equipe criolla.

“Tuvo Nacional un comienzo alentador, aunque al año siguiente su solicitud de ingreso a la recientemente creada League uruguaya fue rechazada por considerar que el conjunto de criollos no tenia condiciones suficientes. En realidad, la decisión expresaba el rechazo al nativo, considerado inferior. En eso último año del siglo XIX, pese al contratiempo, Nacional sería un imán para más y más players (LUZURIAGA : 2009, 71-72) 

Neste mesmo ano ocorreu a primeira partida amistosa disputada entre as duas equipes vencida pelo C.U.R.C por 2 a 0 no Estádio Parque Central e em 1901, a equipe do Nacional foi incorporada a Liga e as partidas passaram a ser mais freqüentes, sendo que até a primeira vitória do Nacional ocorrida em 18/05/1902 por 2 a 1 válida pela Copa Uruguaia foram disputadas quatro partidas com 2 vitórias do C.U.R.C e dois empates.

Iniciava-se assim a história do principal clássico “oriental”. Existem interpretações distintas entre os pesquisadores do futebol uruguaio sobre os fundamentos dessa intensa rivalidade. Três teses são as principais difundidas nas obras analisadas: uma continuação da disputa entre adeptos da prática de críquete e do remo na segunda metade do século XIX, a oposição política entre blancos e colorados ou a tensão existente no início do século entre imigrantes e “criollos”.

Particularmente acredito que os três fatores podem ter influenciado o surgimento da grande rivalidade entre ambas as equipes, pois podem ser inseridos no contexto de disputas e transformações que passava a sociedade uruguaia no início do século XX.

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PEÑAROL X NACIONAL

c) A identificação nacional com a camisa “celeste” e a garra charrúa.

O futebol se desenvolve então no Uruguai a partir da massificação dos costumes e desportos ingleses na segunda metade do século XIX (remo, críquete, rugby), porém insere-se em uma sociedade em transformação, na qual conflitos e disputas de poder entre as elites estão presentes. Mas a paulatina adesão das camadas populares a este esporte dentro do processo de urbanização do país consolidam nas primeiras décadas do século XX o futebol como esporte mais praticado e com maior identificação nacional.

Essa relação do futebol com a sociedade uruguaia no início do século XX é seu caráter nacional é observada no trecho a seguir:

El fútbol y la sociedad se moldearon mutuamente. La institución del fútbol (es decir, tanto lo estrictamente deportivo como las prácticas sociales, políticas, simbólico-discursivas, emotivas y de imaginación que se desarrollan a su alrededor) funcionó como una mediación a partir de la cual fue moldeando una imagen de lo nacional-popular ( BOURET e REMEDI : 2009, 293-294) 

Essa mediação do futebol com a sociedade uruguaia começa a se tornar simbolicamente mais forte a partir de 1910 com a identificação da camisa nacional e com a equipe de 1912, pois são momentos representativos para a mística do futebol uruguaio: os mitos do manto celeste e garra charrúa que acompanham as representações vencedoras sobre o futebol uruguaio têm suas origens nestas datas.

A seleção vestiu pela primeira vez seu tradicional uniforme azul celestial em 15 de agosto de 1910, estreando com vitória por 3x1 sobre a rival Argentina em  Montevidéu. Após ter utilizado camisa azul com listra diagonal branca em 1903, camiseta branca um ano depois, vermelha e azul em 1906 e azul e branca com faixa vermelha, a “celeste” iniciava sua trajetória histórica.


 15 de agosto de 1910, cidade de Buenos Aires. Na histórica foto aparecem em pé da esq. a dir.: Benincasa, Sanz, Saporiti, Pacheco, Pena e Scarone. Sentados: Módena, Dacal, Zibechi, Piendibene e Betone. Foto: Livro 100 Anos da Camiseta Celeste..

A partir de esa tarde de agosto de 1910, la casaca celeste se pasearía orgullosa por todas las canchas de fútbol del mundo perdurando hasta nuestros días, en que la indumentaria oficial de la Asociación Uruguaya de Fútbol consiste en camiseta celeste con vivos blancos, pantalón negro con vivos celestes y medias negras con puño celeste (CARRIL : 1990, 19) 

No que concerne a seleção de 1912, suas quatro partidas contra a Argentina, sendo três vitórias e apenas um empate, simbolizam metaforicamente o início das façanhas futebolísticas atribuídas à suposta garra charrúa, fato que será constatado na análise das vitórias uruguaias tanto em 1930, quanto em 1950. A partir da mítica “equipe de 12” identifica-se uma definição da decantada raça uruguaia na obra oficial de Juan A. Capelán Carril:

La historia objetiva de las mayores hazañas del fútbol “celeste”, aquellas logradas cuando todo parecía perdido y donde las situaciones únicamente podían resolverse mediante la aparición del HOMBRE por encima del futbolista; tienen como factor esencial esta base temperamental de fibra, temple y nervio, que genera un impulso limpio y generoso, un ánimo combativo pero bajo ningún concepto alevoso o malintencionado, que transmite fe, espíritu ganador, coraje... en otras palabras garra charrúa” (CARRIL : 1990, 20) 

A representação da garra “charrúa” em alusão as tribos indígenas de guerreiros nômades que viviam onde se encontra localizada geograficamente atualmente a República Oriental do Uruguai, transcende o âmbito esportivo principalmente nos momentos vitoriosos e qualifica o que seria hipoteticamente a essência de um povo lutador.

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GARRA CHARRUA: CONTRA A ADVERSIDADE, TRÊS COISAS: 1ª LUTAR, 2ª LUTAR, 3ª LUTAR

Diversas vitórias da seleção uruguaia de futebol ao longo da sua história foram atribuídas miticamente à garra charrúa e a camiseta “celeste” que simbolizam metaforicamente a força, coragem e raça do povo uruguaio. Os triunfos nos sulamericanos de 1916, 17, 20 e 23 reforçarão esta construção, consolidada definitivamente no imaginário coletivo com as vitórias olímpicas de 1924 e 1928.

d) As jornadas olímpicas: o futebol uruguaio aparece para o mundo. Apesar dos torneios de futebol dos Jogos Olímpicos não terem sido reconhecidos pela FIFA como esfera de legitimação de campeões mundiais, as competições de 1924 em Colombes na França e 1928 em Amsterdam, além de terem sido muito disputadas, foram fundamentais para o surgimento no cenário internacional do futebol sulamericano, especialmente do bi-campeão olímpico Uruguai.

Pode-se afirmar que a campanha uruguaia no campeonato de 1924 causou espanto e deslumbramento nos europeus que até então desconheciam o potencial das seleções da América dom Sul e o título conquistado de forma invicta derrotando na final a esquadra suíça de maneira incontestável por 3x0 colocou o pequeno país “oriental” no universo futebolístico mundial.







A própria participação uruguaia já poderia ser considerada uma jornada épica. O “sonho” de um médico, político e pedagogo conhecido como Dr. Atilio Narancio, presidente da Associação Uruguaia em 1924 e 1925, e os esforços do diplomata Enrique Buero, teriam viabilizado a inscrição da delegação nos Jogos Olímpicos, pois segundo consta na citada obra de Carril, “El padre de la Victoria” como era conhecido o médico, teria inclusive hipotecado um bem próprio para financiar a viagem e Buero, embaixador na Suíça teria sido o principal articulador da filiação do Uruguai a FIFA, tendo inclusive participado do Congresso realizado em Genebra em 1923. Antes do torneio, a equipe uruguaia, após a longa travessia marítima do Atlântico, teria se preparado enfrentando equipes de cidades espanholas como Vigo, Bilbao, San Sebastían, La Coruña e Madrid, partidas acordadas diplomaticamente com a intervenção do Sr. Enrique Buero, pelas quais receberam somas em dinheiro importantes para a estadia da delegação em Paris. A seleção venceu as nove partidas, além de marcar 25 gols e sofrer 8. A estréia nos Jogos Olímpicos foi com uma goleada de 7 a 0 nos iugoslavos, fato que teria surpreendido a imprensa mundial, e a invicta campanha até a final contra a Suíça resultou no reconhecimento internacional do futebol praticado pelos “celestes” e posicionou a América do Sul na geografia futebolística mundial.

Ademais, os jogadores uruguaios teriam encantado os torcedores parisienses, sobretudo o negro Jose Leandro Andrade, que ficou conhecido na imprensa francesa como a “maravilha negra”, tendo participado também da campanha de 1928 e da Copa do Mundo de 1930 conforme afirma Carril:

El tinte exótico que daba su color moreno y la agilidad felina característica de su raza, complementada por un tecnicismo futbolístico sutil e incomparable, asombraran de tal modo a cuantos presenciaron el torneo, que pasó a ser calificado “la maraveille noir”. La multitud que siguióla los celestes en Paris,  viviendo el asombro de lo que mostraban aquellos sudamericanos de un remoto país con una forma de jugar viva y efectiva , enloqueció con el uruguayo de tez morena que accionaba con soltura de malabarista y fineza de gacela, y lo idolatró cual sagrada “vedette”. (CARRIL : 1990,39) 


JOSÉ LEANDRO ANDRADE
A MARAVILHA NEGRA


É importante destacar que antes mesmo do sucesso de Andrade, o Uruguai já tinha como principal jogador um atleta negro Isabelino Gradin, destaque da celeste na década de 1910 e início de 20, campeão do primeiro sul-americano de 1916, junto com outro negro Juan Delgado, fato que inclusive ensejou declarações racistas de um correspondente chileno na ocasião (6) .

ISABELINO GRADÍN: O REI DO FUTEBOL !!!
O ATLETA DO SÉCULO XX !!!


JUAN DELGADO


Todavia, Gradin não chegou a participar da campanha olímpica de 1924, e a imprensa européia acabou exaltando o jogo elegante e as passadas esguias de José Leandro Andrade, que se tornou uma atração a parte no verão parisiense. Um trecho do romance histórico “Gloria y Tormento. La novela de José Leandro Andrade”, apesar do seu caráter ficcional, espelha em alguns trechos metaforicamente o que foram aqueles dias na capital francesa para este mítico atleta:

Si ...Yo José Leandro Andrade me paseé orondo por las calles de París con sombrero de copa, guantes de color patito, bastón con mango de plata y uno pañuelo de seda. Ay!, si mi hubiesen visto con esta pinta. Sepan, sepan todos, que hasta los árboles se inclinaban ante mí. Cada paso que daba hacía temblar la tierra como si avanzara un gigante. Un gigante que podía hacer magia con la pelota en los pies. Un gigante del que todavía hablan en Paris. Paris dije ...? No amigos! No! En toda Francia! Qué digo? Francia? No amigos? Noooo! En el mundo entero.” (CHAGAS : 2007, 70) 

O sentimento de espanto e admiração com o futebol praticado pelos uruguaios na França é compartilhado pelo próprio presidente da FIFA, Jules Rimet, ao se referir ao torneio olímpico de 1924 e ao estilo jogo praticado pelos até então desconhecidos jogadores “celestes”:

Veinticuatro equipos participaron en aquéllos y los dos que disputaron la final fueron los representantes del Uruguay y Suiza. Este partido, que terminó con la victoria de la Republica Sudamericana, fué sensacional. Al juego rápido, enérgico y duro de los helvéticos, los uruguayos opusieran una hábil flexibilidad, un juego científico, conocedor de todas las sutilidades del fútbol, que conquistó la admiración de los espectadores europeos. Su virtuosismo y espectacularidad convirtió aquel partido en una revelación, en un match histórico (RIMET : 1955, 24)


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1924 - URUGUAY CAMPEÓN DEL MUNDO

 (6) O correspondente chileno escreveu que a seleção do seu país havia sido derrotada pela equipe uruguaia por 4x0 que tinha na sua esquadra “dois africanos” , fato que gerou inclusive um incidente diplomático.

O termo “revelação” utilizado por Rimet é certamente esclarecedor deste sentimento europeu de descoberta em relação ao Uruguai e a toda América do Sul no que concerne o futebol. As exibições da “celeste” impressionaram a crônica internacional, deslumbraram os torcedores parisienses, criaram o primeiro grande mito internacional negro neste esporte, além de levar a glória olímpica para o outro lado do Oceano Atlântico colocando no mapa esportivo mundial a pequena República Oriental do Uruguai.

Ademais, o impacto da vitória uruguaia repercutiria nos quadros da FIFA e, segundo seu presidente Jules Rimet, da revelação e do deslumbramento com a esquadra celeste renasceria o grande projeto da entidade:: a realização de uma Copa do Mundo de seleções.

La nación uruguaya, así como las demás Republicas hispano-americanas experimentaron un sentimiento de alegre orgullo por esta victoria alcanzada sobre el Viejo Mundo, y encajada por éste con deportiva elegancia. La corriente de simpatía se intensificó. Desde entonces me impuse la idea de que ello podía facilitar enormemente la realización en América del Sur, del gran proyecto que soñábamos desde 1905 (RIMET : 1955,25) 

 Uma nova jornada vitoriosa nos Jogos Olímpicos de Amsterdam em 1928, quando o Uruguai derrota a seleção Argentina na final demonstra a força do futebol sul-americano e reitera a importância da Federação uruguaia como um ator relevante na FIFA.

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1928 - URUGUAY BICAMPEÓN DEL MUNDO

O bicampeonato olímpico em 1928 reforçou a posição do Uruguai como potência futebolística. Em mais uma odisséia esportiva a consagrada equipe conseguiu nova medalha dourada, além do privilégio de se conquistar em uma final emocionante contra os maiores rivais. O placar de 3x2 na Argentina consagrou a hegemonia do pequeno país no interessante jogo outrora bretão, e definitivamente escancarou as portas para a realização do primeiro campeonato mundial de futebol realizado na “boleira” Montevidéu.




Considerações finais

O futebol uruguaio surge em um contexto de imperialismo britânico e projeto de modernização do país inspirado em reformas liberais e em uma política intervencionista que se inspiravam na busca da modernidade.

Todavia, independentemente da influência inglesa, o desenvolvimento da prática futebolística no país está associada a questões locais e a uma disputa no “campus esportivo” e político que remete a própria conturbada história da pequenina República Oriental do Uruguai.

Pequena em dimensão territorial, porém grandiosa na história do futebol mundial ao longo primeira metade do século XX, as conquistas sul-americanas e olímpicas se transformaram em um símbolo de identificação e afirmação da Nação uruguaia com a mística da “celeste olímpica” e da “garra charrúa”.

As origens do futebol “celeste” estão no modelo das “publics schools” inglesas, mas sua história se escreveu com gols, contradições e vitórias que reforçaram estereótipos reproduzidos até os dias atuais.

Quando o país, após 40 anos, retorna as semifinais de um Campeonato mundial em controversa jogada, onde o atacante Suarez salva o inapelável gol do adversário defendendo a bola no último minuto da prorrogação e a vitória se confirma nas disputas dos pênaltis, todo o discurso volta para a garra charrúa, a celeste olímpica e a identificação do futebol com a Nação assim como foi construído nos primórdios.

En apenas unos años el fútbol pasó de ser un deporte de elite y de extranjeros a ser un deporte nacional y popular, practicado y atendido por gente humilde. En el fútbol local se destacaron muchos afro-uruguayos, caso de Juan Delgado, Isabelino Gradín , Leandro Andrade, entre otros y también numerosos inmigrantes españoles e italianos recién llegados al país: José Pendibiene, Carlos Scarone, Petro Petrone, Angel Romám, Antonio Urdinarán, etc. ( BOURET e REMEDI : 2009, 291-292)


URUGUAI !! TETRACAMPEÃO DO MUNDO !!


Autor: Alvaro Vicente do Cabo 
Fonte: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História - ANPUH . São Paulo, julho 2011

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983.

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LUZURIAGA, Juan Carlos. El football del novecientos: Origénes y desarrollo del fútbol en el Uruguay (1875-1915). Montevideo: Ediciones Santillana, 2009.

MARTINEZ MORENO, Carlos. “El mundial del 30” in 100 años de Fútbol. Montevideo: Editores Reunidos, 1970.

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PARRADO, Nando. Milagro en los Andes. Barcelona: Editora Planeta, 2006.

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PRATS, Luis. La crónica celeste. Historia de la Seleccíon Uruguaya:triunfos, derrotas, mitos y polémicas (1901-2010). Montevidéu: Editorial Fin del siglo,2010.


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